domingo, 23 de janeiro de 2022

O cinemão como escape

 



Duas semanas em casa com COVID, acompanhado do meu filho de 14 anos. Os dois isolados, precisando ocupar o tempo.

Nas vezes que ele não estava jogando videogame isolado no quarto, assistimos algum filme na sala, de máscara mesmo.

Vou destacar duas sessões inesquecíveis aqui:

Os Bons Companheiros, Martin Scorcese;
Laranja Mecânica, Stanley Kubrick.


Bê tem uma mania curiosa, quando ele acaba de ver algum filme que ele gostou muito, aquele filme passa a ser seu filme preferido. Traisnpotting, Midsommar, entre outros foi assim.

Mas esses dois em questão mexeram com a gente diferente. Não só a relação com o filme em si, mas o fato de ser o pai mostrando o filme pra ele. Tem um agradecimento implícito no ar, "que bom que vc me mostrou esse filme".

Bons companheiros eu coloquei sem muita atenção dele, tipo "vou propor um filme aqui e ver o que a gente acha".

10 minutos depois estávamos sugados pela narrativa, pela edição, pela rapidez fina que aquelas 2h30min passam diante dos nossos olhos. Quando o filme acaba você quer mais, você precisa saber mais daquela história. É uma pena que não tenha sido reconhecido na época, talvez seja o Scorcese que nos lembraremos pra sempre, se é que é possível esquecer outros filmes dele.

Laranja então veio com essa preparação já superada, eu podia propor um filme antigo que seria bem aceito. E fomos mais uma vez arrebatados pela genialidade de tudo que se vê na tela. O texto, a câmera, a música, genialidade pura que ele absorveu como um PHD em cinema. "Não parece de 1971!", foi o comentário mais de boa. É muito legal que essa geração está muito à frente da minha em interpretar quadro, movimento de câmera, intenções do roteiro. Com esse olhar emprestado dele, percebi coisas que não tinha percebido em mais de 30 anos assistindo esse filme aqui e ali. Na ESPM fiz uma analise crítica do filme que nem de perto passou por nossas percepções dessa sessão.

Estão na lista pras próximas sessões outros scorceses, outros kubriks, cidadão kane, e qualquer coisa que consiga nos afastar do tik tok.

Joga a mãe!


 

Nossos pais estão aí para nos ensinar alguma coisa sobra a vida, principalmente os erros.

Se você não aprendeu com os erros dos seus pais, e deixou uma boa parte desse karma seguir seu caminho sem intervir, você também não vai aprender com os acertos.

Minha mãe descobriu que tinha síndrome do pânico eu devia ter 10 anos. Na minha percepção de criança não mudou nada nem de antes, nem depois. Ela só foi diagnosticada quando eu já tinha 20 anos.

Minha mãe sempre foi controladora, totalmente conectada e presente com cada decisão do meu dia. Um controle que ditava sua vontade acima de qualquer vontade minha. Tive que aos 18 anos arranjar um emprego e então sair de casa para poder realmente tomar conta da minha vida. Uma mudança traumática que ela não deixaria acontecer sem muito, muito drama.

Esse controle excessivo, não me deixava ir pra escola de ônibus por exemplo, criou uma casca de preguiça e conforto em mim, aonde eu sempre deixava que ela resolvesse as coisas, se responsabilizasse por tudo e eu pudesse viver uma vida de irresponsabilidade assistida.

Aos 17 anos eu já havia sido julgado no conselho social de menores duas vezes: agressão e direção perigosa com acidente e fuga do local. Fui parado por um carro de polícia, e tive a arma apontada pra minha cabeça pelo policial.

Esse controle excessivo, me descolou da realidade que os meus amigos viviam, me descolou da realidade pra vida toda.

Hoje, prestes a fazer 47 anos de idade, minha mãe de novo me trata como se eu fosse um retardado, como se eu não soubesse cuidar de mim e precisasse dela pra sempre. Talvez a única forma que ela encontrou para se sentir relevante, talvez a única função que ela não queira nunca abrir mão. Hoje com 75 anos, ela não parece estar mais falando coisa com coisa, e a gente não sabe se é o eterno drama e a eterna busca por atenção, como se ela também nunca tivesse se conectado com a vida adulta sem ressentimentos, ou se ela realmente precisa de cuidados.

Pedi que ela não me tratasse como se eu não soubesse o que estava fazendo, e ela mais uma vez se vitima, como se fosse culpa minha não aceitar ser mal tratado, mas com boa intenção.

A gente sabe, no inferno tá cheio de boas intenções.